Não me foi fácil escolher um poema para assinalar este dia no nosso blog. Fiquei na dúvida entre O Menino de sua Mãe, de Fernando Pessoa, e este que vos deixo. Escolhi-o por duas razões. A de menor importância: é de um poeta próximo da minha terra. Nasceu na Póvoa da Atalaia, Fundão, muito próximo da terra da Professora Teresa Sanches, em plena Serra da Gardunha onde, por esta altura, começam a brotar as mais doces cerejas do país.
A mais importante: por vezes, quando há desentendimentos ou incompreensões, nada melhor do que falar usando citações ou as palavras de outros. Este poema é a prova viva disso mesmo. Recordo-me, como se fosse hoje, da minha mãe a ler-me e a explicar-me o sentido de cada verso de Eugénio de Andrade, quando tinha doze ou treze anos.
Mais tarde, como todos nós, cresci e quis voar. Quando as asas da minha inquieta adolescência me impeliam para outras paragens, menos serenas que o doce lar materno, ecoava amíude nos meus ouvidos um estridente "NÃO!" E eu, tentando levar água ao meu moinho, contrapunha com sábias palavras de Eugénio:
Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
... e no rosto da minha mãe ficava um sorriso que tentava dissimular com um "Vai falar com o teu pai...". Enquanto me afastava da cozinha, dizia para os meus botões: "Metade da tarefa está feita, agora só me resta o mais difícil!"
Bem-haja, minha mãe, por tudo e, já agora, pela poesia, pela música e pelos livros que me deste a ler. Sem isso, certamente, não seria a pessoa que sou.
Pedro Chorão
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...
Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."
Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...
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